Ecos do Absolutismo Ibérico VIII – Ação Declaratória de Constitucionalidade

Ecos do Absolutismo Ibérico VIII – Ação Declaratória de Constitucionalidade

Ecos do Absolutismo Ibérico VIII – Ação Declaratória de Constitucionalidade

Doutor Mario Villas Boas

 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade é tristemente bem conhecida entre brasileiros. Prevista no artigo 103 da Constituição Federal, seu uso frequente atesta a falta de zelo do legislador brasileiro para com sua lei maior. Mas a possibilidade do uso deste instrumento para extirpar de nossa legislação uma lei incompatível com a carta magna é, seguramente, uma garantia democrática que nada tem de ditatorial ou autoritária. Bem ao contrário da ação declaratória de constitucionalidade que foi incluída no mesmo artigo pela emenda constitucional nº 3/93 e, posteriormente modificada pela emenda nº 45/2004.

 

Se ação direta de inconstitucionalidade visa extirpar um câncer de nosso aparato legislativo, a ação declaratória de constitucionalidade tem por objetivo tornar uma lei imune justamente a esse dispositivo.

 

Instâncias inferiores à Corte Suprema não podem declarar uma lei inconstitucional com efeito erga omnes. Mas podem fazê-lo casuisticamente, declarando sua inconstitucionalidade para efeitos de uma demanda em particular. Se protegida por uma ação declaratória de constitucionalidade, porém, a lei torna-se também imune a essa declaração casuística.

 

Durante o processo legislativo, toda lei tem – ou deveria ter – sua constitucionalidade verificada. Qualquer lei, após promulgada, goza, assim, de presunção de constitucionalidade. Esta presunção pode, contudo, ser elidida por prova ou arguição em sentido contrário em qualquer instância judiciária. A não ser, é claro, que esta monstruosidade jurídica tenha sido acionada para instar a Corte Suprema a declará-la constitucional. Deferido este pedido, a constitucionalidade da lei passa a não mais poder ser contestada em juízo.

 

Este instituto é de uma perversidade rara, mesmo nesta constituição tão contaminada com elementos absolutistas. Declarada a constitucionalidade de uma lei nos termos deste dispositivo, o debate acerca do assunto passa a ser proibido. Ao menos em juízo.

 

Qual é o sentido do uso deste instituto? Como foi dito antes, qualquer lei, ao ser promulgada goza de presunção de constitucionalidade. Afinal, há, no Congresso Nacional, a Comissão de Constituição e Justiça, que examina todo e qualquer projeto de lei antes de submetê-lo à votação no plenário, justamente com o objetivo de verificar a constitucionalidade da futura lei a fim de evitar que um dispositivo inconstitucional entre em vigor. Porque então declarar constitucional algo que já goza desta presunção? É evidente que a única serventia do uso desta monstruosidade é pressionar politicamente a Corte Suprema para declarar constitucional um dispositivo que contenha uma inconstitucionalidade já previamente identificada a fim de, com isso, tirar do cidadão o direito de se defender dela.

 

Por sorte, há vários anos esse dispositivo não tem sido usado. Mas sua presença na carta magna é um contrassenso: A Constituição garante o direito de que uma inconstitucionalidade seja constitucional. Declarada a constitucionalidade de uma lei, ainda que de boa fé, se uma inconstitucionalidade for descoberta posteriormente, ela não poderá ser arguída ou questionada. Pior: se a lei nascer constitucional, tiver sua constitucionalidade declarada por uma ação deste tipo e, posteriormente, houver uma mudança na Constituição que a torne incompatível com sua nova redação, esta inconstitucionalidade superveniente não poderá ser arguída.

 

É evidentemente que a inclusão deste dispositivo na Constituição foi mal-intencionada. Qualquer tentativa séria de implantação de uma ordem constitucional permanente, duradoura e verdadeiramente garantidora das liberdades democráticas deverá passar longe de qualquer determinação deste teor.