Pilares da Ideologia Liberal

Pilares da Ideologia Liberal

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM: Docência do Ensino Superior

NOME DA DISCIPLINA: Políticas do Ensino Superior

NOME DO ALUNO: Mauricio Antonio Veloso Duarte

DATA: 30/06/2016

 

ENUNCIADO

Leia o texto a seguir:

 

O desenvolvimento das relações capitalistas de produção se constituiu e se consolidou como resultado da derrocada do feudalismo concomitante à elaboração do ideário liberal burguês. Para desmontar as fortes resistências do velho mundo em decomposição foi construído um potente arsenal teórico pela burguesia para legitimar o novo. Assim, como convinha ao incipiente regime, era necessário erigir alguns pilares, assegurados pela ideologia liberal, para sustentar a nascente sociedade em ascensão e, ao mesmo tempo, se livrar dos entraves institucionais herdados.

 

Agora redija um texto explicando quais são os pilares erigidos para assegurar a ideologia liberal e de que maneira eles se relacionam.

 

 

Resposta:

 

Segundo Perry Anderson em Balanço do Neoliberalismo, na economia o liberalismo falhou, não conseguindo revitalizar o capitalismo de forma básica, mas socialmente alcançou diversos objetivos de uma elite, criando sociedades marcadamente desiguais, mais do que já eram.  E política e ideologicamente alcançou sucesso num grau jamais sonhado antes pelos seus fundadores.  É corrente hoje a ideia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, precisam adaptar-se a suas normas.  Nenhuma sabedoria obteve tão grande hegemonia e tão abrangente vitória quanto o neoliberalismo, desde o início do século XX até hoje. 

Mas como chegamos à essa situação?  Para responder essa questão, devemos antes saber que:

1.    “Não existe prática senão através de e sob uma ideologia.”

2.    “Não existe ideologia senão através do sujeito e para o sujeito.”

Dito isso, nas palavras de Althusser, podemos chegar facilmente à mesma conclusão desse autor em seu Aparelhos Ideológicos do Estado, de onde retirei que “o aparelho ideológico dominante nas formações capitalistas maduras é o aparelho ideológico escolar.” 

Os aparelhos ideológicos do Estado, todos, desejam o mesmo resultado, reproduzir as relações de produção; as relações de exploração capitalista.  Cada um deles tem uma maneira própria de inculcar essa ideologia, sujeitando e submetendo as pessoas.  A ideologia é a ideologia da classe dominante.

Mas é a escola que detém uma audiência obrigatória de 5 a 6 dias em cada 7, à razão de 4 ou 8 horas por dia da totalidade das crianças – portanto, em idade “vulnerável” – inculcando-lhes saberes práticos que se envolvem nessa ideologia dominante, como linguagem, cálculo e ciência ou noutros saberes com a ideologia  em estado puro, como moral, civismo e filosofia, por exemplo.

Uma enorme massa de jovens cai na produção em algum momento; os operários e camponeses.  Outra parte continua na escola aos tropeços para logo depois cair nos empregos médios de pequeno-burgueses de todos os calibres.  Uma pequena parte alcança o ápice para cair num meio emprego intelectual ou para juntar-se aos agentes de exploração de repressão e da ideologia.  Cada massa que cai está devidamente ideologizada com o papel que lhe é determinado pela sociedade de classes.

Ainda que o próprio FMI, em reportagem de hoje, 30/06/2016, critique o neoliberalismo em “O estranho dia em que o FMI criticou o neoliberalismo”, afirmando que “algumas políticas neoliberais tem aumentado a desigualdade e colocado em risco uma expansão duradoura”, o FMI continuará sustentando políticas ortodoxas e conservadoras, salvo alguma revolução profunda mude algo de modo consistente no cenário econômico mundial globalizado atual.

Segundo Warde, o liberalismo não é só a primeira ideologia mas é a ideologia que fundou a própria categoria concreta da ordem capitalista.  É o liberalismo que criou a disponibilidade subjetiva que indica para a população em geral que o capitalismo é natural e necessário, consolidando essa visão de mundo.

Segundo Cunha, o liberalismo é o instrumento teórico da burguesia contra o feudalismo e seus nobres e contra aquela ordem estabelecida pelo senhor feudal e seus vassalos.  Tendo como fundamento os princípios da individualidade, da liberdade e da propriedade, da igualdade e da democracia, que, em suma, pregam que no capitalismo há mobilidade social, de acordo com as habilidades e o empenho de cada um, pode-se progredir na escala da hierarquia social e econômica.  A ideia do sucesso ou fracasso seria em decorrência das próprias escolhas de cada indivíduo e o governo possibilitaria igualdade de oportunidades.  A organização social não interferiria nesse processo.

O pai do liberalismo econômico, Adam Smith, nesse sentido, utilizava dos princípios do individualismo e da liberdade em seu pensamento, tornando-se pilares fundamentais para a nova sociedade.  John Locke e Adam Smith elaboraram suas concepções no contexto da política mercantilista da Europa e tais ideias atravessaram o Atlântico através dos colonizadores ingleses nos EUA.  Thomas Jefferson acreditava que a liberdade só estaria segura nas mãos de um povo instruído, por isso defendia a escola pública.

A transição da manufatura para a maquinaria envolveu embates entre o capital rural e o capital industrial.  Daí a Guerra de Secessão entre o Norte e o Sul nos EUA.  Observados na forma da lei, os EUA tinham criado a mais ampla possibilidade democrática do planeta na época da independência, segundo Pinsky, J; Pinsky, C.   Sendo que o mundo desenvolveu uma admiração muito grande pela nação norte-americana.  Porém era limitadíssima a democracia no início do século XIX; haja vista que mulheres e brancos pobres não votavam, por exemplo. 

E no entanto, o grande desenvolvimento industrial era concebido como sinônimo de progresso, impulsionado pelo capitalismo concorrencial e monopolista.  Era o “laissez faire, laissez passer” do modelo liberal.

Com a crise de 1929 e a queda da Bolsa de Valores, falências, desemprego e miséria espalharam-se rapidamente.  Para assegurar a continuidade do capitalismo foi reformulado o liberalismo através de ajustes econômicos, o New Deal.

Veio daí, logo após alguns anos, o Estado de Bem-Estar Social que até algumas décadas atrás era preponderante nos países da periferia mundial como o Brasil e no qual as ideias neoconservadoras ganharam força, difundindo-se por todo o mundo a partir do eixo anglo-saxão.  A mesma política que desacelerou e desativou muitos de seus programas mais recentemente.

Nesse contexto, a função social da educação institucional era – e ainda é em muitas situações, ao menos teoricamente – dar condições para que as multidões participem dos vastos recursos materiais, segundo Galiani.

A construção do liberalismo nos EUA se deu de forma “simples” porque não contou com os resquícios feudais e nem teve que fazer concessões grandes à Igreja e ao capital rural.

Desse modo, percebemos que a América do Norte utilizou-se dos princípios fundantes do liberalismo para enfrentar a crise do capitalismo.  A escola passou a representar o papel de conciliadora das classes médias e inferiores a fim de enfrentar as classes operárias e seus conflitos.  John Dewey, nesse contexto, é um grande expoente com o Escolanovismo onde o princípio liberal de democracia é muito importante, tendo como base a universalização da educação, segundo Dores Soares.

Pensadores como Marx e Proudhon, na outra ponta do pensamento ideológico, ofereceram análises do que ocorreu e ocorre ainda na globalização atual, por exemplo.

Segundo Marx, para a sociedade burguesa a forma celular da economia é a forma celular de mercadoria do produto do trabalho ou a forma do valor da mercadoria e as pessoas só existem como representantes de mercadorias e, por isso, como possuidores de mercadorias nas relações econômicas.  Para o possuidor da mercadoria, ela não tem valor de uso, ela tem valor de uso para outros, por isso, ele a leva para o mercado.  Para o possuidor ela tem apenas valor como possuidora de valor de troca e, portanto, meio de troca.  O enigma do fetiche do dinheiro é, portanto, o enigma do fetiche da mercadoria, tornado visível e ofuscante.  O processo de troca traz à mercadoria sua forma valor específica.  Sendo a circulação de mercadorias, o ponto de partida do capital.

Já o crédito, segundo Proudhon, por sua vez, é a canonização do dinheiro, a declaração de sua realeza sobre todos e quaisquer produtos.  Na hierarquia econômica, “a cada transformação nova de um produto, não somente o montante dos lucros aumenta, mas cada lucro subsequente é maior daquele que o precede, porque o capital de onde procede é necessariamente sempre maior.” Segundo Adam Smith, citado pelo próprio Proudhon.

A educação superior, como bem público universal não está imune a todo esse processo e trabalha hoje como semi mercadoria no quase mercado educacional.   Por essa razão é dito da universidade que ela é “a universidade mundial do Banco Mundial”, segundo Aboites e outros de “o modelo anglo saxão” segundo Dias. 

Uma contradição em termos do neoliberalismo que tanto defende o individualismo e a liberdade em todas as suas formas – ao menos teoricamente – na qual podemos fazer a pergunta: um país soberano e uma nação plenamente democrática é realizável se os bens públicos universais – como a educação – são vistos como mercadorias ou semi mercadorias?

 

 

 

Referências bibliográficas:

 

Althusser, Louis; J. A. Guilhom. Introdução. Aparelhos ideológicos do Estado. São Paulo: Graal, 2007.

 

Anderson, Perry; Gentili, Pablo. Balanço do Neoliberalismo. Pós-neoliberalismo: as Políticas Sociais e o Estado Democrático.  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

 

Dantas, Éder; Sousa Júnior, Luiz de. Na Contracorrente: a política do governo Lula para a Educação Superior. GT 11: Política de Educação Superior. ANPEd, 2009. Disponível em: [https://www.anped11.uerj.br/32/gt11-5581--int.pdf]. Acesso em: 25/06/2016

 

Fiori, José Luis. Estado do Bem-Estar Social: padrões e crises.  Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Disponível em: [https://www.scielo.br/pdf/physis/v7n2/08.pdf].  Acesso em: 25/06/2016

 

Marx, Karl. O Capital, Volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988

 

Proudhon, Pierre-Joseph. Sistema das Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria. Tomo I e Tomo II. São Paulo: Escala, 2007

 

Sguissardi, Valdemar. Universidade Pública Estatal: entre o público e o privado/mercantil. Educação e Sociedade. V.26, no. 90, jan/abr, 2005. Disponível em: [https://www.scielo.br/pdf/es/v26n90/a09v2690.pdf]. Acesso em 25/06/2016